sexta-feira, 15 de março de 2019

Um castelo Medieval no RN - Marcas do Degredo de Al Andaluz (العزل)

Daqui a pouco cessaremos os trabalhos, pois se aproxima a hora da chegada do dia de descanso; o sabá. Ainda há tempo de falar um pouco de um castelo medieval  na costa sul do RN, onde degredados israelitas(exilados), corsários, piratas, judeus edomitas, hereges saduceus e muitos outros passaram marcando a presença de Al Andaluz nestas terras do oeste distante nas bordas do Império Português.
A história do Castelo Keulen, no Rio Grande do Norte começa com a resposta da coroa ibérica à ameaça externa, principalmente pelos corsários franceses que traficavam o Pau-Brasil ( pau Barzilai), determinando a construção de um castelo fortificado e de uma colônia na sua periferia.
“A tomada de Ceuta, em 1415, marcou, não só o início da expansão ultramarina, mas também o ponto de viragem na política de degredo. Isso porque a conquista de Ceuta assinala o início do degredo colonial. Com ela, os portugueses davam início a uma prática que iria perdurar por cerca de 5 séculos: o envio de condenados [hereges, anusim, marranos, cripto judeus, criminosos, prostitutas e outros] para as franjas do império.” (TOMA, 2004, pg.5)

A prática do degredo, termo derivado do Latim “decretum”, entendida como a “expulsão penal” ou o afastamento do criminoso do local onde cometeu o crime, já era corrente em Portugal antes da conquista de Ceuta, e sob duas formas _ o degredo territorial, cumprido nas regiões mais recônditas do país, geralmente no Algarve, e o degrado nas galés, para crimes mais graves, que implicava um grande sofrimento físico do condenado, colocado numa situação de extrema precaridade, e correspondia na prática, na grande maioria dos casos, a uma pena de morte.

A pena do degredo trazia para o estado inúmeras vantagens. Permitia a condenação de grande número de pessoas sem o problema da sua logística, evitando as despesas relacionadas com o funcionamento das prisões, afastava o condenado do local do crime e da sociedade e satisfazia as necessidades de povoamento e mão-de-obra de determinadas regiões. Para além disso a pena era cumprida em relativa liberdade e o condenado podia exercer funções remuneradas, facilitando a sua reintegração e eventualmente a sua fixação definitiva no local do degredo[ no RN]. Para o condenado, era sobretudo uma forma de se livrar da pena num curto espaço de tempo." 

historiasdeportugalemarrocos.com   

Em 1597, no período da união das coroas portuguesa e espanhola, foi determinado, por intermédio do Governador-Geral do Brasil, D. Francisco de Souza, a organização de uma expedição para expulsar os franceses. Seria também edificada uma fortificação na barra do Rio Potengi, e, posteriormente, seria fundada uma cidade nas suas proximidades. Coube ao Capitão-mor da Paraíba, Feliciano Coelho, e ao governador de Pernambuco seguir para o Rio Grande do Norte, ali estabelecer uma colônia e construir um forte. Manoel de Mascarenhas Homem, capitão-mor de Pernambuco seguiu com 12 embarcações pelo mar, enquanto Feliciano Coelho de Carvalho e Jerônimo de Albuquerque conduziram 350 homens, 900 índios e escravos por terra.
"Os degredados tiveram um papel muito importante no contexto da colonização portuguesa do mundo, já que eram colocados em locais que pertenciam ao Reino e onde havia demanda de mão-de-obra, “transformando aquilo que seria um ónus para o Estado em ganho”. (TOMA, 2004, pág. 4)"

A construção teve início no dia 6 de janeiro de 1598, na praia, em pau-a-pique, com varas e barreado com lama do mangue. O projeto de construção foi confiado ao jesuíta e arquiteto Padre Gaspar de Samperes, que exercera a profissão de engenheiro na Espanha, porém a edificação atual foi projetada pelo Engenheiro-mor Francisco Farias de Mesquita, em 1614. Mascarenhas Homem lançou a pedra fundamental, e a partir daí ninguém parou.

"As necessidades de mão-de-obra nas colônias, muito particularmente no Brasil, generalizou a prática do degredo, abrindo o seu leque a muitos portugueses indesejados, acusados de crimes de forma gratuita. Nessa perspectiva é falsa a ideia de que os degredados eram simples criminosos, como inclusivamente se pode atestar nos próprios textos das sentenças de degredo proferidas, como este é um exemplo: “Vá degredado ao Brasil, onde se tornará rico e honrado” (SALVADOR, 1918, obra citada). O facto de muitos dos degredados serem apoiados pelo Estado com a entrega de terras e de utensílios e ferramentas, tornou o degredo, em muitas situações, numa espécie de transformação forçada de cidadãos em colonos.

“Foram o advento do capitalismo e a expansão ultramarina seguida do afã colonizador que conferiram especificidade à pena de degredo. Determinada, sobretudo, pela necessidade utilitarista de transformar aquilo que até então era visto como um nus social em capital humano a ser empregado a serviço do Estado, a prática do degredo mostrou-se plenamente de acordo com as teorias mercantilistas da época. É sob essa perspectiva de aproveitamento dos condenados e de toda a sorte de indesejados é que o degredo irá se disseminar pelos Estados europeus.” (TOMA, 2004, pg. 5)

A edificação da colônia deu início após a conclusão do forte. Deram o nome de Natal, porque, no dia em que se comemorava o nascimento de Jesus, chegou a esquadra portuguesa no Rio Grande do Norte.

A fortaleza foi fundamental na defesa do território brasileiro durante o período colonial. Entretanto, em dezembro de 1633, não resistiu ao poderio da incursão holandesa, com aproximadamente 2.000 homens embarcados em 16 navios. A partir daí passou a chamar-se “Castelo Keulen”.

Nassau


Assim permaneceu a fortaleza sob o domínio dos holandeses durante 21 anos, e neste tempo favoreceu o reaparecimento da crença judaica nestes ermos, culminando com a construção da sinagoga rabínica Zur Israel em Recife - Pe.

Em janeiro de 1654, com a capitulação dos holandeses, o forte foi retomado e os portugueses assumiram o comando e retomaram a denominação anterior Fortaleza dos Reis Magos.

No Forte residiram vários capitães e também estiveram presentes grandes personagens politicas da história potiguar, desde os colonos portugueses até os holandeses, destacando-se Maurício de Nassau e Franz Post, o pintor do Castelo Keulen.


Franz Post

Na masmorra do Keulen, estiveram prisioneiros messiânicos e mártires como o índio Jaguarari, no período da posse holandesa, e André de Albuquerque Maranhão, líder do Movimento Republicano de 1817, na Capitania do Rio Grande.
André Maranhão



O castelo foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em 15 de janeiro de 1949, sendo integrado ao Patrimônio Cultural da Fundação José Augusto, por Decreto governamental de 20 de setembro de 1965. 

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